Em entrevista, o quarteto revela processos, influências e a força por trás da nova fase em português
Texto: Ingrid Natalie (instagram: @femalerocksquad)
VELMAS vive um momento decisivo de expansão. Depois de apresentar ao público um EP de estreia que navegou entre o grunge, o rock setentista e nuances de dream pop, a banda paulistana inaugura uma nova fase — mais pesada, mais direta e totalmente autoral. Entre composições que nasceram de trocas intensas, processos coletivos e um senso crescente de identidade, o quarteto encontrou sua própria voz, agora ainda mais evidente com “Queda Livre”, o primeiro single em português.
Nesta entrevista, Hendy, Bárbara, Luisa e Daniella abrem o processo criativo com honestidade: falam sobre suas raízes, a dinâmica entre quatro mulheres construindo juntas, as transformações que moldaram sua sonoridade e os “feitiços” que aprenderam no caminho. Uma conversa que revela tanto a força musical da VELMAS quanto a profundidade emocional que sustenta essa nova fase.
FRS: A VELMAS nasceu tocando versões de artistas que influenciaram vocês. Em que momento perceberam que era hora de migrar para composições totalmente próprias?
Hendy: Desde o início escolhemos mulheres na música que sempre nos inspiraram. Esses covers ajudaram a moldar nossa essência como banda, porque enquanto tocávamos versões íamos descobrindo pontos em comum, gostos, texturas sonoras e até a forma como cada uma se expressa. Com o tempo percebemos que já existia uma identidade ali, pronta para ganhar voz própria. Quando começamos a compor o EP, tudo fez sentido. A cada encontro as músicas cresciam, ganhavam novas camadas e a nossa singularidade ficava cada vez mais evidente.
FRS: Como descreveriam a identidade sonora da banda hoje? Existe algum elemento que consideram o “DNA” da VELMAS?
Bárbara: A sonoridade da banda engloba tantas referências de cada uma de nós, e cada vez que criamos algo novo encontramos novas camadas. Desde o começo encontramos voz no grunge e no punk, algo cru e raivoso. Também tiramos muita coisa do rock setentista, na guitarra exploro muitas ideias que vem do blues e do improviso. Ao mesmo tempo gostamos de contrastes, momentos mais leves, com um toque mais pop.
Nas composições novas estamos buscando trabalhar mais esses momentos, as músicas estão mais densas, e estamos sempre abertas a explorar outros estilos.
Algo que fazemos muito é o uso de compassos mais complexos, chega a ser difícil tocar nossas próprias composições.
FRS: O EP "Witch in the Making" explora texturas que vão do rock setentista ao dream pop. Como foi o processo criativo desse trabalho?
Bárbara: Nossos primeiros encontros de composição foram muito naturais, trabalhamos letras e melodias que a Luisa tinha iniciado, e partir disso encontrei os acordes que encaixavam e desenvolvemos as ideias. Nos ensaios aproveitamos alguns minutos pra testar arranjos e fazer mudanças. Todas acrescentam nesse processo e discutimos bastante sobre o que queremos dizer e para onde cada música pode ir. Com o tempo também começamos a compor mandando ideias no nosso grupo do Whats, em “Mr. Leech” usei ideias e frases da Hendy pra construir o que eu achava que era um refrão, a Dani usou uma levada da Lui pra construir a melodia, e de repente isso encaixou e virou o Verso principal.
É interessante que decidimos que queríamos apresentar cinco músicas autorais em um festival que fomos convidadas, e tínhamos apenas 2 ou 3 prontas, corremos pra finalizar “Mr.Leech” e “Witch in the making” pelo whats e com poucos ensaios, de repente marcamos a gravação do EP, acho que funcionamos sob pressão. (Risos)
FRS: O que vocês mais valorizam na dinâmica criativa interna: improviso, conversas, experiência pessoal…?
Hendy: A energia de ter quatro mulheres criando juntas é indescritível. Nossa dinâmica vai muito além da banda. Ela envolve nosso processo pessoal de amadurecimento, o entendimento do que é ser mulher em cada um dos nossos recortes sociais, a forma como lidamos com o julgamento externo, nossa autopercepção e o nosso poder de criação.
O que mais valorizamos é exatamente essa troca profunda, onde conversa, experiência e improviso se misturam e viram música.
FRS: O título sugere transformação, alquimia, criação. Que “feitiços” vocês sentem que aprenderam ao longo desse processo?
Daniella: Nosso principal feitiço é bem simples: sabe aquele lance de entrar em algum lugar maneiro e se ver naquele palco? Assistir às bandas em festivais e de repente ter uma visão e saber que um dia você também vai estar ali? Então, é o poder do manifesto. Aos pouquinhos vamos alcançando os espaços que sempre quisemos. O universo se encarrega de tornar tudo possível.
FRS: “Queda Livre” é a primeira música de vocês em português. O que motivou essa mudança e a sonoridade mais pesada e visceral do single?
Luisa: Veio de um desejo de sair da zona de conforto. O primeiro EP trouxe pra gente uma noção do que a gente podia fazer. E escrever em português era tipo mergulhar num outro mundo, com novas possibilidades. E quando eu comecei a olhar pra o que eu tinha de anotações em português toda hora vinham essas frases “fala de novo que eu não sei nada, me dá conselhos que eu não te pedi”.
Aí eu acho que a sonoridade veio pra ambientar essa letra mesmo, então precisava ser algo mais visceral, mas que também brincasse com essa questão da queda, do grito, do eco, da antecipação de uma ruptura.
FRS: A letra tem um tom emocional intenso — como foi trabalhar essa vulnerabilidade em português?
Luisa: Acho que todas as nossas letras vieram de um exercício de libertação. Mas essa foi ainda mais. Pra escrever em português o desafio foi tentar ser o mais direta e sincera possível. Ela é simples e ao mesmo tempo diz tanta coisa… Não precisava de rodeios, e por mais que isso assuste um pouco no começo, é isso que a gente quer no fim: que alguém se conecte e se reconheça com aquela mensagem. E que fique em paz com esse desejo de revidar quando alguém tenta controlar as suas decisões.
FRS: Por fim, o que vocês sonham para os próximos anos da banda — colaborações, turnês, festivais?
Daniella: Não buscamos fama, dinheiro, nada disso. A gente quer viver as experiências que a música proporciona, e levar nosso som pra cada vez mais longe. E isso inclui principalmente novos trabalhos, fazer nossas turnês e marcar nosso espaço na cena. As pessoas precisam ouvir o que temos a dizer. Além disso, em pleno 2025, a gente ainda sente que uma banda só de mulheres é algo “extraordinário” e não deveria ser. Nós tivemos que nos libertar de várias amarras em certo momento da vida, e achamos no palco um lugar pra gente se sentir livre. E se isso servir de inspiração pra outras mulheres, vamos sentir que a missão foi cumprida.
- 2:54 PM
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