Clareza, caos e criação: Renan Lourenço une rock e Renascimento em novo disco

12:50 PM

Renan Lourenço - Foto: Vitor Barbieri

Entre aulas, riffs e introspecção, Renan Lourenço transforma inquietude em arte no álbum "Clarity and Renaissance", uma jornada musical inspirada no espírito do Renascimento

Por: Ingrid Natalie (instagram: @femalerocksquad)

Com uma guitarra na mão e a inquietude criativa pulsando nas veias, Renan Lourenço tem traçado uma trajetória que mistura técnica, paixão e propósito. Natural de Ibiporã (PR), o músico começou a estudar ainda na adolescência e não parou mais. Formado em Licenciatura em Música, com especialização em Arranjo e passagens por bandas como Badfripp e Electro Beat Orchestra, Renan também atua como professor, musicoterapeuta e apresentador do programa “Sala dos Guitarristas” na rádio UEL FM. 

Agora, ele se prepara para lançar "Clarity and Renaissance", seu segundo álbum solo — um trabalho conceitual que propõe uma imersão sonora inspirada na genialidade de Leonardo da Vinci e no espírito transformador do Renascimento. Em entrevista ao Female Rock Squad, o guitarrista compartilha os caminhos que o levaram até aqui, os desafios de criar arte profunda em tempos líquidos e a espiritualidade que guia sua música.

FRS: Para as pessoas que estão conhecendo a sua carreira, você começou a estudar música aos 14 anos com Wander Lourenço. Como foi esse início e o que te despertou para a guitarra?

Renan Lourenço: No início, não foi nada fácil. Música, para mim, sempre foi sinônimo de transpiração, dedicação e entrega, sempre estudei muito, mas, por ser profundamente apaixonado pela arte, isso nunca foi um esforço, mergulhei de cabeça, como quem encontra um vício saudável e transformador.

O que me despertou para a guitarra foi, primeiramente, o amor pelo rock and roll, acredito que comecei como muitos músicos, ou seja, ouvindo e apreciando, ainda criança e pré-adolescente, as bandas de rock e heavy metal mais conhecidas, encantei-me, é claro, com a sonoridade da guitarra. Curiosamente, minha primeira intenção era aprender bateria, mas, pela logística complicada, pelo volume e pelo custo do instrumento, acabei seguindo outro caminho.

Ganhei minha primeira guitarra aos 14 anos, um presente da minha família, e tive a sorte e o privilégio de começar meus estudos com um grande músico, Wander Lourenço, que apesar do sobrenome, não somos parentes (risos), mas hoje ele é como se fosse, um grande amigo e, sobretudo, meu primeiro mestre, tenho enorme respeito e sou profundamente grato por tudo o que ele fez por mim musicalmente.

Acredito que a figura de um excelente professor é fundamental na formação de qualquer músico, é claro que existem músicos autodidatas brilhantes, mas esse nunca foi o meu caso, sempre tive a sorte e o privilégio de cruzar o caminho de professores excepcionais, que foram fundamentais para minha formação e trajetória.

FRS: Você também teve aulas com Eduardo Ardanuy (Dr. Sin). Que impacto essa experiência teve na sua técnica e visão artística?

Renan Lourenço: Sim, tive o enorme privilégio de estudar presencialmente com um dos maiores guitarristas e referências para mim no instrumento que tanto amo: Eduardo Ardanuy. Acompanho seu trabalho desde a adolescência, e ele é, sem dúvida, um dos músicos que mais me influenciaram, não apenas pela técnica impecável, mas também pelas composições, pelos riffs marcantes, pela capacidade melódica, pelas improvisações criativas e até mesmo pela sua metodologia, pela forma única como enxerga e ensina música.

Ardanuy, praticamente autodidata, é uma figura fundamental no cenário da guitarra rock no Brasil, sabemos que é impossível falar sobre o instrumento no país sem mencioná-lo. O impacto de estudar com ele foi gigantesco, eu costumo dizer que divido minha carreira entre antes e depois das aulas que tive em sua casa, em São Paulo/SP. Foi algo primordial para minha evolução.

Embora eu já tivesse feito muitas aulas de guitarra até então, e inclusive já fosse formado em Licenciatura em Música pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), estudar os mesmos conteúdos sob um prisma diferente, com a abordagem do Ardanuy, abriu minha mente de uma forma revolucionáriac e claro, não tem preço poder aprender diretamente com um ídolo.

Mais adiante, tive ainda o privilégio de contar com sua participação no meu primeiro álbum solo "Inception", lançado em 2021, algo que guardo como um marco muito especial na minha trajetória.

FRS: Você leciona desde os 17 anos. Como é essa vivência como educador musical?

Renan Lourenço: Lecionar é, e sempre foi, fundamental para mim, não apenas do ponto de vista financeiro (já que, em grande parte da minha trajetória, as aulas foram minha principal fonte de renda), mas também no sentido humano e artístico. Quem trabalha com música no Brasil sabe o quanto é difícil viver apenas de cachês e shows; nesse cenário, manter uma agenda consistente de aulas sempre foi algo pelo qual sou muito grato.

Além disso, acredito que dar aulas enriqueceu profundamente minha bagagem musical. como educador, tenho contato com alunos de gostos e repertórios variados, não apenas do rock ou metal, que é minha praia principal, mas também música brasileira, pop, sertanejo, entre outros estilos. Isso naturalmente amplia minha escuta e minha linguagem musical. Sempre digo que músico que tem preconceito musical está na profissão errada, é claro, ninguém gosta de tudo ou toca tudo, isso não existe mas manter a mente aberta para outras sonoridades é essencial.

Outro aspecto que considero precioso é o quanto aprendemos com os alunos, cada pessoa tem uma vivência única com a arte, com a música, e cada um aprende de forma diferente, como professor, precisamos ser versáteis, saber ensinar o mesmo conteúdo por diferentes caminhos, buscando sempre a melhor forma para cada aluno entender. Isso não só me fez evoluir como músico, mas também me aprimorou profundamente como educador musical.

FRS: Como foi a experiência no projeto voltado para pessoas com deficiência visual e necessidades especiais?

Renan Lourenço: Foi uma experiência extremamente valiosa e enriquecedora, mas também muito desafiadora, não vou romantizar, ensinar música para pessoas típicas já não é fácil para pessoas atípicas, com deficiência visual ou necessidades especiais, os desafios são ainda maiores.

No entanto, o principal aprendizado que tirei dessa vivência é que, quando falamos de música, de arte, a técnica, a parte física ou motora, o domínio do instrumento, tudo isso não é o mais importante, o essencial é o contato genuíno com a música, deixar que ela emocione, que desperte memórias, que traga leveza ao dia, que transforme vidas.

A arte tem esse poder, e ela exerce um papel transformador especialmente na vida de quem está enfrentando momentos difíceis ou delicados, para mim, essa experiência mudou profundamente a forma como eu enxergo a música. Música não é apenas teoria musical, muito menos só técnica, música é, acima de tudo, um dos sentimentos mais poderosos que existem no mundo.

Renan Lourenço - Foto: Vitor Barbieri

FRS: Sobre o seu próximo lançamento, o título "Clarity and Renaissance" já sugere uma dualidade interessante. Como você definiria essa relação entre clareza e renascimento no contexto musical e pessoal?

Renan Lourenço: Acredito que a pessoa que questiona, que faz autorreflexão, que consegue olhar para o próprio trabalho com um olhar externo e crítico, está sempre lidando com essa dualidade, não falo de ser melhor que os outros, mas de dar o melhor de si naquilo que escolheu fazer, no meu caso, escolhi a música, e sempre busquei, e ainda busco, oferecer o meu melhor em todos os sentidos.

Esse processo envolve, muitas vezes, lidar com momentos de clareza e momentos de escuridão, com o renascimento e, ao mesmo tempo, com a dificuldade de romper padrões e sair do lugar comum, existe em mim uma necessidade interna constante de superação artística, musical, profissional e também pessoal. Porque a arte do artista não está dissociada de quem ele é, quando a arte é genuína, ela reflete a pessoa, ela é um espelho da mente, da alma, da visão de mundo.

O título "Clarity and Renaissance" traduz exatamente isso, minha inquietude em renascer das próprias cinzas, em criar algo que realmente me explique como pessoa, que traduza quem eu sou, minha essência, minha visão de música e de mundo. Meu desejo é que tudo isso seja intenso e, através da música instrumental, consiga tocar as pessoas de forma verdadeira e profunda.

FRS: O Renascimento foi um período de grandes mudanças. De que forma você buscou traduzir esse espírito transformador para a linguagem musical?

Renan Lourenço: Tenho estudado muito, e sigo estudando, esse período maravilhoso que foi o Renascimento. Um momento de transição das trevas da Idade Média para a clareza, do teocentrismo para o antropocentrismo, colocando o homem no centro, não apenas como criatura, mas como criador, como catalisador de transformações em várias áreas, nesse contexto, minha principal referência foi o gênio Leonardo da Vinci.

Na música, tentei trazer esse espírito transformador e visionário, essa ideia de que o céu era o limite e, de certa forma, ainda é. Assim como os grandes artistas renascentistas romperam barreiras, busquei romper as minhas, misturando rock, fusion, hard rock, heavy metal, rock progressivo e incorporando elementos pouco usuais: ruídos, sonoridades dissonantes que podem soar desafiadoras para ouvidos acostumados à música comercial, rítmicas em compassos ímpares e compostos, harmonias não convencionais no rock, timbres estranhos ou inquietantes.

Minha intenção foi jamais me prender a regras, mas simplesmente me expressar, inspirado por esses grandes mestres do Renascimento, que nos ensinaram que a verdadeira arte nasce da ousadia, da busca incessante e da liberdade criativa.

FRS: Como surgiu a ideia de criar um álbum inspirado no Renascimento e na figura de Leonardo da Vinci?

Renan Lourenço: Essa ideia não surgiu sozinha, aliás, muito do que fiz e estou fazendo neste álbum não nasceu apenas de mim, embora seja um álbum solo, sozinho a gente não faz muita coisa, tenho o privilégio de contar com grandes músicos e amigos ao longo desse processo.

A idéia do conceito nasceu a partir de uma conversa com um grande amigo, aluno e tatuador, meu xará Renan Ogazawara, ele me apresentou o desenho de uma tatuagem que me tocou profundamente e que hoje carrego, fixada para sempre no meu antebraço esquerdo, esse desenho, que será adaptado para a capa do álbum (e que já divulguei nas redes sociais), mostra, na parte inferior, um labirinto e uma figura humana buscando seu caminho, tentando se entender, atravessando um momento de confusão mental, mediado pelo renascimento, no centro, aparece a figura magnífica de Leonardo da Vinci, e, na parte superior, uma forma humanóide que simboliza uma espécie de supremacia, transcendência e elevação espiritual. É uma imagem intensa, filosófica, prospectiva e, podemos dizer, bem viajada no melhor sentido.

Sempre sonhei em fazer um álbum conceitual, até por amar rock progressivo, onde isso é muito comum, queria algo diferente do meu primeiro disco, "Inception", que não tem caráter conceitual. Assim nasceu a ideia de criar um álbum centrado, em que as faixas, as atmosferas, os títulos e a estética gráfica dialoguem entre si, girando em torno de um tema principal e nada poderia ser mais inspirador do que essa aura magnífica de Leonardo da Vinci e do Renascimento para me guiar nessa jornada artística.

FRS: A faixa “Sacred – Music is my Religion” já aponta um lado espiritual do álbum. De que forma a espiritualidade se manifesta nas outras faixas?

Renan Lourenço: Curiosamente, eu lancei “Sacred... Music is my Religion” em 2023, como single, muito antes de ter o conceito do álbum "Clarity and Renaissance" definido. Essa conversa e essa construção conceitual, especialmente com meu amigo Renan Ogazawara, vieram algum tempo depois, mas, de forma instintiva, eu já carregava dentro de mim essa intenção de expressar meu amor, meu respeito e, acima de tudo, meu compromisso com a música.

Para mim, música não é apenas entretenimento, nem apenas um hobby, nem somente meu ganha-pão, música é, literalmente, minha religião. Assim como tentei transmitir isso em Sacred busco expressar essa mesma intensidade nas outras faixas do álbum, ainda que, muitas vezes, de forma sutil e subjetiva.

Cada ouvinte interpreta uma música de maneira única, e isso é ainda mais forte na música instrumental, onde não há texto para verbalizar a mensagem, transmitir sentimentos e idéias apenas por meio de sons é um desafio enorme, mas também é o que torna tudo mais verdadeiro e poderoso, tento fazer com que o clima, a aura e a sonoridade das canções revelem isso ao ouvinte, que, para mim, música é coisa séria, é algo sagrado.

Ouça "Sacred - Music is my Religion":

FRS: O disco mistura rock progressivo, fusion e metal. Quais foram as principais referências musicais para alcançar essa sonoridade?

Renan Lourenço: É muito difícil responder a isso de forma objetiva ou direta, eu busco ouvir muita música, o tempo todo, todos os dias, e tento pesquisar o máximo possível hoje, com a internet e as plataformas digitais, isso se tornou mais acessível, então procuro escutar músicas do mundo inteiro e dos mais variados gêneros.

Claro, minha base sempre foi o rock, nas suas diferentes vertentes, e isso certamente marcou profundamente meu primeiro trabalho, Inception  (2021), e também este segundo álbum Clarity And Renassaince. mas, neste disco, talvez a figura do rock progressivo tenha tido um papel ainda mais central, especialmente o rock progressivo europeu. Tenho uma paixão particular pelo progressivo inglês, com bandas como King Crimson, Camel, Genesis e Yes, e pelo progressivo italiano, que adoro, com grupos como Area, Banco del Mutuo Soccorso, Museo Rosenbach e Premiata Forneria Marconi.

No fundo, somos sempre uma mistura de tudo aquilo que ouvimos, que vivemos e que nos emociona. Este álbum nasceu exatamente desse caldeirão musical, das minhas diversas influências, das sonoridades que me marcaram ao longo da vida e que me ajudam a construir uma identidade.

FRS: Você contou com músicos convidados em diferentes instrumentos. Como foi o processo de colaboração e escolha dos timbres?

Renan Lourenço: Esse processo foi, na verdade, algo bem natural para mim, não costumo me intrometer muito nas escolhas de timbres dos instrumentistas convidados, é claro que me envolvo no processo, mas nunca de forma autoritária.

Sempre faço questão de convidar músicos nos quais confio profundamente, não apenas como instrumentistas, mas também como pessoas, isso é algo que priorizo muito, cercar-me de pessoas que admiro artisticamente e com quem tenho uma conexão pessoal verdadeira.

Quase não envio partes escritas pelo contrário, chamo justamente músicos que considero criativos o suficiente para trazerem suas próprias ideias e, assim, somarem e enriquecerem minha música, afinal, como já disse antes, mesmo sendo um álbum solo, sozinho eu não faço muita coisa, conto muito com o bom gosto, a musicalidade e a sensibilidade desses grandes músicos e amigos que me acompanham nessa jornada.

FRS: Em tempos de consumo rápido de música, como você vê o espaço para álbuns conceituais e mais reflexivos como o "Clarity and Renaissance"?

Renan Lourenço: Confesso que não penso muito sobre isso, na verdade, quase nada, meu foco está sempre em ser o mais verdadeiro possível na minha arte, independentemente dessa geração rápida, ansiosa e, muitas vezes, superficial em que vivemos.

Se eu quisesse agradar esse público de consumo imediato, essa massa, eu certamente não teria optado por fazer a música que faço. Respeito e admiro alguns artistas que seguem por esse caminho, poucos, mas admiro, porém, eu não me encaixo, pelo menos na conjuntura atual, essa não é a minha postura nem a minha busca.

Não me preocupo em tentar pertencer a esse universo de consumo rápido, meu foco está, essencialmente, em fazer a arte em que acredito, com profundidade, com entrega e com a sinceridade que considero essenciais no meu trabalho.

FRS: Para fechar: o que você espera que o público sinta ou reflita ao ouvir esse novo álbum?

Renan Lourenço: Eu espero, de coração, que meu disco atinja o máximo de pessoas possíveis claro, dentro das devidas proporções, e que eu consiga divulgá-lo ao máximo. Não espero que todo mundo goste ou necessariamente entenda o disco, o que mais desejo é que, ao ouvi-lo, as pessoas sintam que estou sendo verdadeiro, que não estou mentindo artisticamente nem musicalmente.

Quero que percebam que estou apenas me expressando, de forma genuína, e que minha alma está ali, presente em cada nota, em cada atmosfera, isso, para mim, é o mais importante.

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